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CÓRREGO DO GREGÓRIO, O “RIO” QUE ATRAVESSA A HISTÓRIA

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23 MAR 2018 – 04h32Por (*) CIRILO BRAGA

Saocarlosagora.com.br

 

Quando vim morar em São Carlos não me escapou o reparo de que, bem ou mal, a cidade tinha e tem um curso de água a atravessar-lhe a área urbana. O Córrego do Gregório, do qual todo são-carlense é íntimo, no entanto, pela modéstia peculiar, não frequenta os álbuns de fotografia. Tampouco merece loas dos historiadores, exceção feita ao letrista do hino local. Haveríamos de ter o nosso Ipiranga.

 

Um olhar para o leito do córrego, dali das cercanias do SESC, faz pensar que não precisamos ir longe para reparar no quanto a natureza surpreende. Aquele que por vezes não passa de um fio d’água, de repente transborda, se agiganta, se rebela. E então as águas de março ou de outro mês se tornam mensageiras, portadoras de seu recado. Como na última terça-feira.

O lado subversivo e resistente do Gregório sempre me chamou a atenção. Nunca vi ninguém mergulhar nele, a não ser um ou outro garoto querendo chamar a atenção da namorada, ou um veículo que passava apressado demais pela via marginal. Também não vi alguém pescar em suas águas, nem mesmo nos trechos em que o córrego recebe seus afluentes, que são cinco. Nesses pontos, por vezes se viu flutuar todo tipo de objeto, até mesmo um sofá, um armário antigo e caixas de papelão em tempos idos.

A subversão começou quando os desbravadores dessas terras depararam com Gregório. Não o córrego, mas o homem. Um posseiro que aqui chegou antes da demarcação da Sesmaria do Pinhal, viveu por muito tempo na beira do riacho, até ser convencido a “picar a mula”. Sumiu do mapa depois da formação da cidade, ninguém nunca conheceu a sua imagem e a ele os compêndios de história dedicam poucas linhas. Ora é citado como “um intruso”, noutras vezes “um tal”. Como se percebe, a maneira como são vistos os sem-terra nunca foi novidade.

Gregório deixou seu nome no córrego que os primeiros documentos chamaram de “águas de servidão”. Não se sabe se ele rogou alguma praga, mas fato é que o curso de água que “por muitos anos foi um empecilho para a expansão urbana” – como notou o historiador Ary Pinto das Neves – seria para todo o sempre um desafio para os governantes. E, repito, não por culpa do Gregório, mas da ocupação maluca de suas margens e até do seu leito, como se vê na gloriosa “baixada”.

Se o Gregório “murmura em surdina uma prece mimosa” aos pés da cidade, como diz o hino de São Carlos – que também maltratou o pobre – mais em surdina ainda vive um de seus afluentes, o córrego Simeão. O nome emprestado da figura bíblica que primeiro reconheceu Cristo como o Messias, batiza o riacho que corre incógnito sob as casas da rua Episcopal. Coisas de tempos em que canalizar foi preciso, viver não foi preciso.

E dá-lhe retificação, alargamento, pontes novas, galerias, projetos. A “mãe de todas as enchentes”, me contam, datou do governo do prefeito Luisão, numa época em que o Gregório pareceu um oceano, pois todos os caminhos das águas levavam até ele.

Ouvi certa vez de um engenheiro o diagnóstico de o panorama só mudaria caso fossem retirados todos os obstáculos para que as águas rolassem. Autoridades de um determinado período pensaram na construção de uma imensa galeria sob a rua 13 de maio. Seria um rio subterrâneo que pouparia o Gregório. Ou um piscinão lá pelo lado da chaminé.

Os programas antienchentes se sucederam, a cidade deixou de ter ruas de paralelepípedos, ganhou asfalto, a via marginal se estendeu às suas margens e até o Cristo decidiu fazer um rasante no local onde o Gregório encontra o Monjolinho. Em forma de estátua, é bem verdade. Mas não deixou de ter um eloquente simbolismo a figura do Cristo de braços abertos ali onde o Gregório deságua.

Sobre o mais são-carlense dos córregos, ninguém disse que “vai jogar água pra fora quando chegar a água dos olhos de alguém que chora”, como Tião Carrero cantou o Piracicaba. Também ninguém tirou aquela foto do riacho ao por do sol, num dia de tranquilidade.

Sobre o Gregório, já se cogitou instalar na região do mercado uma placa contando a sua história. E também se planejou para as cercanias a construção de um bulevar e de uma revitalização que bem poderia fazer justiça ao velho córrego. Ou, melhor dizendo, ao nosso “rio”.

Ele nunca foi um vilão como pareceu. Ele só quis seguir o seu destino, servindo de exemplo e lição para a gente de São Carlos, recitando quase incógnito os versos do poeta amazonense Thiago de Mello: “Se tempo é de descer, reter o dom da força sem deixar de seguir. E até mesmo sumir para, subterrâneo, aprender a voltar e cumprir, no seu curso, o ofício de amar”.

 

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Crédito: Arquivo Histórico, Arquivo SCA, Águas da Memória e internet

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